Making of
21 Out 2020
Making of do livro “Menino, menina”
por Joana Estrela
É raro saber exactamente o dia e a hora em que tive uma ideia para um livro. Mas neste caso até sei! Porque enviei logo uma mensagem ao meu amigo Nicolau.
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Por isso, podem ver que a ideia inicial era um bocado diferente de como o livro ficou, mas começou tudo por aqui.
Acho que me lembrei de fazer este livro porque tinha estado a preparar uma apresentação em que mostrava duas fotos minhas de quando era criança.
Eram estas:
Achei que se eu não dissesse a ninguém que sou eu nas duas fotos, a maior parte das pessoas ia pensar que é a foto de um menino e de uma menina.
E eu não quero dizer que isso seja errado. Todos nós tiramos conclusões rápidas à primeira vista. Eu também faço isso. Acho que é normal olhar e pensar calças + carro = menino e boneca + saia = menina. Mas também acho que é importante questionarmos porque é que pensamos assim. E lembrarmo-nos de duvidar dessas primeiras impressões, e dizermos para nós próprios: ok, aquela criança tem calças e cabelo curto e está a brincar com um carro, por isso se calhar é um rapaz, mas pode muito bem nem ser.
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Porque na verdade os rapazes não gostam todos das mesmas roupas e brinquedos. E as raparigas também não. Se dividíssemos o mundo em meninos de um lado e meninas do outro (como nas aulas de educação física) aquele grupo de meninos, e aquele grupo de meninas, é muito diferente entre si.
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E quando começamos a pensar nestas coisas normalmente chegamos a outra pergunta: Então será que é importante saber se alguém é um menino ou uma menina?
Na minha opinião não é lá muito necessário.
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Por exemplo, eu acho que há coisas muito mais interessantes para saber sobre mim, além de ser uma rapariga. Acho se alguém perguntar. “Quem é a Joana?” e responderem “É uma rapariga”, isso é sem dúvida uma parte de quem eu sou, mas não diz lá muito sobre os meus gostos e personalidade.
Se disserem “a Joana foi bailarina” ou “a Joana é ilustradora” ou “a Joana não come salame de chocolate porque uma vez comeu demasiado e vomitou-o todo e enjoou salame de chocolate para sempre” isso são coisas que também dizem muito sobre quem eu sou.
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E isto leva a outra pergunta: E se alguém não for nem menino nem menina?
Como deu para ver no exemplo acima do ballet e do salame, as pessoas são muitas coisas! E se alguém decide que não precisa dessa peça, da peça menino ou da peça menina? Ou que a quer substituir por outra? Eu acho que isso não devia importar muito, porque é só uma parte do leque de tudo que nos faz ser nós mesmos.
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Então, eu pensei nestas coisas todas e tentei pô-las no livro. No início escrevi em espanhol porque ia enviar o livro para um concurso de livros ilustrados em Espanha. Acho que o facto de ter escrito em espanhol ajudou a tornar o livro muito simples. Isto porque eu não sei falar espanhol nada bem, e então tinha de simplificar!
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Procurei por ditados em espanhol que fossem o equivalente aos nossos “Quem vê caras não vê corações” e “Gostos não se discutem”. Depois quando traduzi esses ditados de volta para o português gostei muito de como soavam! Se calhar foi um bocado batota, usar frases feitas de outra língua, mas resultou!
Os desenhos também foram surgindo aos pouquinhos, com o texto.
Fiz os rascunhos com canetas de feltro, mas depois percebi que gostava mais de lápis de cera.
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No início, tinha pensado neste livro como um exercício, como um teste em que o objectivo era perceberes que não há resposta. E mantive essa ideia no final. Os personagens perguntam “Quem é o quê?” e na página seguinte lembram-nos de que não está nos olhos de quem vê. Não há resposta. O leitor não sabe. E é ok não saber.
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