Especial
28 Jun 2018
Como tem evoluído o cenário da “edição para a infância” desde que começaram a trabalhar? As coisas mudaram muito?
3.ª pergunta da série “Perguntas que os leitores nos fazem ou talvez tenham vontade de fazer”
Imenso! O Planeta Tangerina, como projeto editoral, começou em 2004/ 2006, por aí… O que sentíamos, então, era a existência de uma certa competição entre textos e imagens, ou seja, nem sempre os livros conseguiam usar os dois recursos em simultâneo para contar uma história ou passar uma ideia, tal como os álbuns ilustrados conseguem fazer. Pensámos que poderíamos acrescentar algo aí. E também ao nível das ideias, saindo daquelas abordagens mais comuns (alguns exemplos: nem todos os livros para crianças têm de começar por “era uma vez”; pode haver livros com pouco ou nenhum texto; é possível apostar em estilos de ilustração que nem sempre são os mais convencionais quando se pensa em livros para a infância; é possível criar livros sem um destinatário fixo e que cheguem, por exemplo, a leitores de várias idades).
Aos poucos, o álbum ilustrado entrou em força no nosso mercado, não apenas através de projetos originais de autores portugueses, mas também das obras de autores de outros países e, hoje, há álbuns ilustrados de todo o mundo de grande qualidade a serem publicados por cá. Em geral, é dada mais importância ao projeto gráfico. Muitas vezes são os próprios ilustradores os autores do design dos seus livros. Por vezes são até os ilustradores os autores dos textos dos seus livros. E tudo isso contribuiu para que uma certa “guerra entre textos e imagens” tenha chegado ao fim.
No Planeta Tangerina, para além dos álbuns ilustrados com os quais começámos o nosso catálogo, exploramos também outros caminhos: temos uma coleção para leitores mais crescidos (Dois Passos e um Salto) e temos apostado bastante em projetos editoriais de não-ficção (Lá Fora, Cá Dentro, Um Ano Inteiro, Atlas dos Exploradores).
Entretanto, nestes dez anos, surgiram também várias pequenas editoras com projetos muito interessantes, outras consolidaram o seu catálogo… Muitos clássicos que ainda não estavam editados em Portugal foram trazidos para cá e hoje já recuperámos um pouco desse atraso das muitas décadas em que vivemos mais fechados.
Outras mudanças: a quantidade gigante de livros para a infância que se edita em Portugal neste momento faz com que a escolha por parte dos leitores nem sempre seja fácil. A falta de crítica especializada e o cada vez mais diminuto espaço na imprensa dedicado a esta área contribui para aumentar a dificuldade de escolha. Para além disso, a grande quantidade de livros a ser distribuídos em cada momento faz com que a “rodagem” dos títulos nas livrarias aconteça a grande velocidade, muitas vezes não permitindo que livros menos comerciais (menos diretos, menos óbvios) façam o seu caminho até chegar aos leitores (aquela ideia de “um livro tem hoje o prazo de validade de um iogurte”).
Outro problema: por razões de mercado e sobrevivência, algumas grandes cadeias têm vindo a encolher o espaço dedicado aos livros para a infância, substituindo-os por jogos, filmes, etc.
A última década foi de crise e de dificuldades económicas para uma grande camada da nossa população. Portanto, apesar de existir interesse de muitos pais (mesmo dos pais que não leem) em proporcionar aos filhos contacto com livros, nem sempre há essa possibilidade. Não apenas por dificuldades económicas, mas também pela falta de tempo, de paz de espírito, de energia. Tudo isso é necessário para a formação de leitores (não apenas ter dinheiro para comprar um livro).
A abertura de boas bibliotecas públicas em muitas cidades, com salas dedicadas à literatura para infância, foi um feito muito importante, assim como a programação que essas bibliotecas fazem para as famílias. Todos sabemos que a “leitura é importante”, há a ideia generalizada de que “quem lê normalmente é bom aluno” e todos os pais desejam que os seus filhos se tornem leitores (há a consciência dessa importância, da leitura como chave para abrir muitas portas). Mas normalmente esta ideia vem acompanhada de uma obrigatoriedade que muitas vezes conduz a uma certa “aversão”. Nas escolas, também porque os currículos são longos, os alunos praticamente não têm tempo para a leitura apenas pelo prazer de ler.
Isso seria uma grande aposta para o futuro!
Isso e a aposta em construir leitores não só competentes, como exigentes e muito resistentes (o mundo bem precisa). Alguém tem boas ideias?