7 perguntas a Chloé Wary

Autora, ilustradora e designer gráfica Parisiense, Chloé Wary estreia-se no Planeta Tangerina (e em língua portuguesa) com A Época das Rosas, um livro inspirado pela sua experiência pessoal enquanto futebolista no clube FC Wissous.

Falámos com a autora sobre o processo de criação desta novela gráfica e, claro, sobre o seu tema central: a luta pela igualdade de género.



Chloé, este livro é fictício, mas ficamos com a sensação de que tem muito de real, da tua vida. É verdade?

Sim, é forçosamente inspirado naquilo que pude sentir e viver enquanto era adolescente. Através de Barbara coloco as minhas próprias questões, tento pô-las à distância para as analisar melhor. A questão de base da Época das Rosas é esta questão da feminilidade, o que tu fazes para assumir a tua própria feminilidade, enquanto todas as influências que recebes e absorves enquanto jovem mulher te dizem o contrário, dizem-te que tu não correspondes a este arquétipo feminino ideal. E como é que tu, como mulher, com a tua própria feminilidade, consegues avançar, consegues construir-te, consegues ser tu própria sem te traíres. Seja no futebol ou fora. É essa a grande questão.


Há quem estremeça com a energia que sai das tuas personagens: as formas dos corpos, as cores das roupas, a linguagem crua. Porque é importante conhecermos Barbara, Bilal, Jawad, Esteban, este bairro?

É importante para mim que o leitor seja sensível a todo o ambiente do bairro, através das personagens, sobretudo através da sua linguagem. É importante transcrever como as coisas se passam, como é que as pessoas falam. É um trabalho de escrita muito importante, é preciso rescrever muito porque temos tendência a exagerar no primeiro projeto, então rescrevemos, afinamos, aligeiramos. É muito importante trabalhar sobre o realismo. E isso levou-me também a trazer muita cor para o projeto, porque através da cor transmito a alegria de viver, a extravagância daquele bairro… para mim foi essa a maneira gráfica de representar essa realidade.


A tua história passa-se nos subúrbios de uma cidade que adivinhamos ser Paris. Como será a vida daqui a 20 anos, quando Barbara for adulta? Barbara mudou-se?

Eu não sei como serão os subúrbios daqui a vinte anos, mas espero que haja muitas associações desportivas e culturais para criar ligações entre as pessoas. Porque isso é o mais importante. Porque nos subúrbios parisienses, somos hipernumerosos e, por vezes, estamos muito em cima uns dos outros e falta-nos o ar. Não sei se Barbara se irá mudar. Em todo o caso, os subúrbios vão permanecer o seu lugar de origem, foi lá que tudo começou para ela.


A certa altura, a mãe de Barbara, pergunta-lhe “Sabes o que acontece a quem só sonha?”. (Que frase terrível!) De onde vem a força de Barbara que a faz persistir?

De facto, as palavras da mãe de Barbara são duras. Imaginamos que ela tenha feito muitos sacrifícios na vida. Ela tem medo pela sua filha. Tem medo das ilusões e dos sonhos, porque para ela são sinónimo de fraqueza, de sofrimento. Porque ela considera que vivemos num mundo difícil e rude e que se tu te deixas levar pelas tuas ilusões, acabarás destruído. Só que a Barbara tem a cabeça sobre os ombros, ela sabe o que quer e ela acredita também nos seus sonhos. Porque ela não vê outro sentido para a sua vida que não seja através do futebol, através da luta enquanto mulher no campo de futebol. Trata-se quase de uma verdadeira posição política. Ela também tem vontade de mostrar à sua mãe que ela está errada, que ela está errada em ter deixado de acreditar. E talvez tenha vontade de lhe mostrar que não é demasiado tarde e que ela também se pode libertar. No fim, elas reencontram-se, elas comunicam e entre as duas vão encontrar um certo apaziguamento.


Para fazeres este livro, inscreveste-te de novo num clube de futebol. Como foi esse trabalho de campo?

Eu juntei-me à secção feminina do Clube de Wissous quando era ainda muito recente, tinha sido criada há apenas um mês e era um projeto da treinadora de então. E essa sensação de ir para o campo permitiu-me desenhar as cenas da BD e pôr-me no lugar de uma futebolista. Desde o início eu tinha esta necessidade de pesquisa e de observação e fui uma espécie de cobaia, para saber como era. E, de facto, o futebol é uma coisa fantástica. Eu já era fã e apoiante do PSG, mas nunca tinha ido para o campo por uma questão de falta de confiança em mim, etc. Mas, graças a Wissous, hoje jogo como defesa central e fico muito contente com isso. Para além disso, nós desenvolvemos muito a secção feminina e eu também me empenhei muito nisso, através da comunicação, da criação de cartazes. A minha história com Wissous é uma história de verdadeiro envolvimento pessoal.


Dizes que “apoiar uma equipa feminina é uma luta política”. Em que medida?

Apoiar uma equipa feminina significa apoiar a ideia de que as mulheres têm o seu lugar em campo da mesma maneira que os homens. Portanto, o envolvimento social, cultural e político passa por aí. É preciso apoiar esta ideia, porque isso permite dar visibilidade desportiva às atletas, permite às raparigas projetarem-se através das celebridades desportivas, permite-lhes imaginar-se no seu lugar e fazer uma carreira desportiva… isso é democratizar o acesso ao desporto. Apoiar as mulheres no desporto representa, para mim, a continuação lógica, a continuação necessária para a mudança das coisas. Por isso, é preciso apoiar as mulheres no desporto.


Para além de boas histórias de BD, quais as melhores armas na luta pela igualdade de género?

As melhores armas para a igualdade de género são, em primeiro lugar, a necessidade absoluta de cultivarmos abertura de espírito, isso é muito importante. Seja através dos livros, da BD, dos filmes, do teatro, ou de qualquer outra forma de arte. Não há nada mais saudável para o espírito e para a reflexão. Também é preciso não julgar à primeira abordagem, não reduzir os indivíduos a categorias. É preciso ter em conta cada pessoa por aquilo que ela é, pela sua unicidade, porque todas as pessoas são únicas e complexas. Não há necessidade de etiquetar, não há nada pior na nossa sociedade do que categorizar excessivamente as pessoas. Isso é insuportável. Mas, forçosamente, a melhor ferramenta é o dinheiro: é preciso investir, dar meios aos clubes para investir nos desportos femininos, para ter patrocinadores, equipamentos. É preciso falar disso, é preciso que isso seja publicitado. É preciso que a igualdade se torne acessível e, para isso, é preciso apoio financeiro e político, etc. São muitas tarefas, mas estamos no bom caminho.